Autor: Gilson José de Oliveira
Entro para a celebração dominical, com leigos, o homem calvo que veste uma manta branca me cumprimenta e eu brinco:
_ O senhor está parecendo o Júlio Lancelotti.
Tomo um choque de 220 volts:
_ Deus me livre, fique com ele pra você!
_ Como assim? Por que essa raiva toda?
_ Não é aquele cheio de acusações?
Respondo, já em desconforto:
_ Sim, acusações! Assim como Jesus. Vamos agora fazer a memória de um acusado e condenado injustamente, um inocente chamado Jesus, ou não?
_ Mas é diferente…
_ Não, meu caro, não é diferente. Os discípulos dele também foram acusados e condenados injustamente. É igual, não é diferente, isso aqui leva o nome dele, o que o Lancelotti faz é exatamente o que ele fez, as acusações são as mesmas que ele sofreu, feitas pelo mesmo lado da sociedade.
Penso em sair do local, abandonar a "celebração". Penso um pouco melhor e permaneço, mas muito em desconforto. Difícil permanecer numa Igreja que faz de Jesus um brinquedo, do altar um espaço de projeção, de tudo um posto avançado controlado pelo sistema capitalista.
A liturgia da Palavra apontava para a profundidade do encontro com Jesus: quem é ele, onde mora, com quem convive, de que modo vive, qual a crítica que faz à sociedade do seu tempo? É o Cordeiro de Deus, o que será oferecido em sacrifício para tirar os pecados do mundo, e consubstancialmente o homem Jesus de Nazaré, que acolhe os pecadores, os excluídos, as mulheres, inclusas as prostitutas, os doentes, os empobrecidos pelo sistema opressor. É um trabalhador (Mc 6,2), andarilho, que só ficou bravo uma vez, exatamente quando o templo se tornou um shopping, uma farra dos vendilhões. Tinha lado: o de todos os humilhados e pisoteados pelo sistema e pelos que repetiam a lógica opressora.
Difícil ver batas, sobrepelizes, casulas, pálios com a língua afiada para censurar o Papa Francisco por sua prática da misericórdia. Bem aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Jesus não teria lugar na sua própria casa.
As divisões sempre existiram na Igreja, desde o princípio. Algumas levando a rupturas. Não falo dos que rezam de boa vontade, louvam, se ajuntam com entusiasmo, mesmo arredios às questões sociais. Se estão bem, que sejam assim! Falo dos que, não se contentando em ser diferentes, se comprazem em destruir o outro que pratica sua fé imitando o Cristo. O que agora assusta é a acusação gratuita, o cancelamento do outro, essa ojeriza religiosa aos pobres de Jesus e a quem cuida deles. Assustam o ódio e a grosseria com que expressam condenação antecipada e sumária, como se fora trânsito em julgado. Falam e postam, não como quem tem autoridade, mas como se fossem "a autoridade". A própria razão, única.
Difícil comer o pão eucarístico com fariseus inimigos de Jesus. Difícil ler a Bíblia com quem silencia seu lado mais eloquente, o da compaixão de Deus pelo oprimido.
Difícil conviver com a cegueira diante da fome, da miséria, do abandono, do desemprego, da violência, da guerra, do extermínio, justificadas como vontade de Deus. Ora, são construções sociais, não vontade de Deus! Há opressores e oprimidos e não dá pra ajuntar tudo numa mesma arca. Joio e trigo podem até crescer juntos, mas não estão em acordo. Têm origem e destinos opostos.
Difícil esse desencontro abismal tendo o mesmo livro sagrado como fonte e ficar juntos à mesma mesa eucarística. Impossível crer que sejam igualmente redimidos pela mesma Cruz. Alguém é cabrito nessa história.
Excelente!
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